Eu vivo em casa. Eu, vivo, em casa.

11:22h. Eu. Vivo.

Hoje tenho prova de Direito Penal, nem a minha disciplina favorita, mas preciso estudar. Acordei de manhã umas 8h e há alguns minutos cansei de ficar no meu quarto, peguei meu bloquinho com conceitos escritos e fui andar no Parque da Maternidade para tomar ar.


Perguntei pra minha mãe se queria que comprasse alguma coisa no mercado para fazer a salada do almoço. Ela disse que talvez tomates. Depois de ver os tomates mais feios, resolvi ir andar logo.

Tomei o caminho do Parque da Maternidade e resolvi visitar o Cacimbão, ficar na sombra do bambu e escutar barulho de água caindo. Sentado no Cacimbão, lendo os componentes do crime, segundo a teoria bipartida e a tripartida, percebo alguém descendo a rampa e olhando fixamente pra mim.


Se aproximou com a mão no colo abaixando a camisa como se escondesse algo:
- Tu mora aonde, meu chegado?
- Eu?
- É. Tu mora aonde?
- Eu moro aqui.
- Aqui onde?
- Aqui.
- Aqui onde?
- Aqui no Aviário?
- Tu é irmão do Marcelo?
- Que Marcelo?
- Tu é irmão do Marcelo?
- Não.
- Ah tá, escapou de tomar um tiro agorinha.
Ele se virou na outra direção e falou algumas coisas mais repetidas. Se sentou no banco ao lado.
- Tu curte uma maconhazinha?
- Não.
- Ah tá, sei.

Ao mesmo tempo ele se virou de costas pra mim e começou a mexer numas folhas secas. Se aquilo realmente era maconha foi a primeira vez que vi. Me impressionei ao ver o quão está relacionada aos círculos de violência e ao medo similar ao que já senti diante de pessoas que haviam consumido outras drogas como o álcool.

- Tá tudo bem contigo?
- Tá, sim, tudo tranquilo.
- Quem é esse Marcelo?
- Marcelo? Rã. É um camarada que pegou um dinheiro emprestado meu e sumiu.

Me calei. Num sei bem como eu deveria ter conduzido essa conversa. Continuei sentado por uns segundos folheando o bloquinho até um terceiro gritar:

- Tem esqueiro?
Não me lembro o que o meu quase perpetrador disse. Se sim ou se não.
O terceiro veio descendo a rampa também e diante da possibilidade de estar definitivamente em minoria, falei:
- Tchau - e fui saindo.
- Falou, chegado.

Eu fui no Cacimbão porque ser um lugar bonito. Uma seringueira, uma fonte de água natural, desenhos nas paredes, grama verde e sombra de bambus. Mas parece que a beleza não se estende aos homens.

O abandono da coisa pública.

Sai de lá pensando se deveria ligar para a Polícia. Mas ligar pra quê? Honestamente, não sei se houve crime de ameaça, apesar de eu ter me sentido bastante ameaçado. Não acho que ele realmente tivesse uma arma, pelo menos não notei nenhum volume, mas mesmo assim, tive medo. Ligar para a Polícia só me deixarei mais sujeito à violência, afinal aparentemente ele mora pelas redondezas e pelo o que a nossa professora de penal fala, o sistema não contribui em nada para a reabilitação desses sujeitos.

Desejando poder me apropriar realmente dos espaços públicos sem ter medo. Em casa. Vivo.

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