Uma posição docente dogmática

No estudo do Direito, de maneira geral, algumas palavras comuns me incomodam bastante: doutrina, doutrinador, dogma, doutor e etc. Estas palavras têm raízes bastante interessantes. Por exemplo, doutrina provém do latim doctrina, que deriva do verbo docere (ensinar). O mesmo verbo deu origem ao que chamamos de doutrinador e provavelmente a outra palavra bastante diferente em sentido: docente.

Enquanto docente me soa como um sinônimo para professor - aquele que se dedica ao processo de ensino-aprendizagem e se põe como intermediador, estando igualmente sujeito ao processo -, doutrinador me soa de outra maneira. Quase religiosa, para ser honesto.

Por mais que as palavras tenham raiz comum, é notório que o significado é construído e não se liga unicamente à fonte, mas também ao contexto em que se insere. Dogma, dogmática, doutrina e doutrinador não condizem com uma postura acadêmica de investigação e construção do conhecimento, mas sim com transmissão de opiniões que se impõem como predominantes e, portanto inquestionáveis.

Recentemente, na aula de Direito Penal I, discutíamos sobre lei temporária. A prof.ª afirmava que o Brasil não tinha leis penais do tipo há bastante tempo. Foi então que comentei sobre a Lei da Copa, vigente até o final do ano corrente. Ao que ela reagiu de imediato negando que se tratasse de uma lei temporária com aspectos penais.

Na hora eu me senti bastante incomodado porque havia lido, além de ter acompanhado algumas polêmicas durante a Copa acerca de alguns aspectos legais. Houve uma negação árida sobre a possibilidade da Lei da Copa ser lei temporária com aspectos penais.

No mais, me parece relevante destacar a necessidade do docente questionar o aluno sem se colocar numa posição superior, pois isso mantém os canais de comunicação abertos e garante certa qualidade no processo de ensino-aprendizagem. Não me entendam mal, não tenho a intenção de diminuir minha prof.ª enquanto profissional. No entanto, a postura que ela tomou não foi condizente com a investigação e a constante dúvida esperada de um docente.

Na minha posição de aluno, com a péssima internet do meu bloco, tentei fazer uma busca na internet pela Lei da Copa integral. Quando encontrei fiz uma busca pelo termo “penal” e identifiquei lá preceitos primários (descrevendo condutas) e secundários (determinando sanções), levantei a mão e puxei o tema novamente.

Na aula seguinte, a prof.ª me surpreendeu.

Chegou na sala, se sentou, olhou pros lados e disse: “cadê? Ah, tá ai você. Qual é o seu nome?” Respondi com um frio na barriga. Perguntei o porquê, ela disse pra eu me sentar. Tempo suficiente para ficar pensando: “Pronto. Ela vai destruir minha vida.”.

A prof.ª, na verdade, disse: “Olha, gente, na última aula o Luis Gustavo falou sobre a Lei da Copa, eu não tinha lido e ai fui buscar saber, comprei esse livro publicado nesse ano e o autor cita a Lei da Copa como temporária”.

Pontos para ela. Fiquei surpreso e feliz pela atitude dela ao procurar mais informações e trazer um retorno na aula seguinte. A conversa se deu mais ou menos da seguinte forma:

- Nossa, que bom que a Sr.a procurou mais informações, eu tive dúvidas sobre o tema depois da última aula.
- Sempre, Luis. Tento sempre passar o que os doutrinadores escrevem.

Na mesma hora travei comigo mesmo.

Ainda que tivesse os conceitos disponíveis e anos de experiência, ela aparentemente não detinha os meios ou, pelo menos, preferiu não utilizá-los, para concluir que determinado objeto se definia em conjunto com outros, precisando consultar um doutrinador para então reproduzir o que ele definia.

Constantemente tenho me questionado sobre o espaço de um curso de Direito na sociedade. Especificamente quando penso em instituições de ensino, me parece, que na verdade, se o curso deve funcionar da forma como tem sido, deveria haver uma faculdade de Direito desassociada da Universidade. Ao menos, assumiriam honestamente o descompromisso com a pesquisa e a extensão.

Enfim, eu vejo dois caminhos para o Direito: afirmar o status quo ou questioná-lo. Se assumirmos que chegamos ao melhor que podemos enquanto seres humanos, ótimo. No entanto, se as instituições sociais precisam de melhorias e nem todos realmente vivem, somente sobrevivem, o Direito precisa ser transformador ou transformado.


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